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    Isso não pode ser poesia


    Quando eu me deito é quando mais surgem palavras na minha cabeça. Olho para o teto com as luzes do hospital refletindo, o que sinto é uma tremenda solidão vinda de lá. Mas não para mim e nem de mim para alguma coisa. Indagar sobre como andam meus dias: apenas. Apenas desejar e imaginar dias melhores - sempre que dá, penso positivo. Ou só penso. Pensar não é maldade. Pensar antecede o falar. E o falar significa não voltar atrás.
    Eu não quero esse retrocesso.
    Me livrar para seguir. E seguir livre para poder me livrar de algo semelhante no futuro. E eu não quero saber desse futuro - não já.
    Está difícil arranjar alternativas e meios diferentes para escapar da rotina, do tédio, do ócio. Entre quatro paredes e sempre sozinha: enfrentei e enfrento. Encaro e corrijo. Mas ao mesmo tempo, perco minha capacidade de imaginar e criar cenários. Perco a noção do tempo e me protejo em meu casulo. Visto uma armadura a prova de afeto que me impede de supor uma situação nova e, embora seja automático, eu me tranquei e me privei de querer encarar e subir as escadas novamente. Me bloqueei em algo que não acho que exista. Sublinhei palavras e frases feitas e desfeitas por um sopro - sopro esse que saiu de minha própria boca. Que fez evaporar todo e qualquer significado. Transformou em gotículas de um grande vazio no peito. Estufa esse peito próprio com o ar imaginário. Invade o espaço que não é seu e faz bagunça. Procura por um rosto novo, um abraço que mais parece beijo, um olhar que mais parece um refúgio, uma voz que mais parece um abrigo. E vá. Apenas, vá tentando. Ou aliás, vá apenas imaginando o que jamais foi capaz de imaginar. Atravesse portas, destranque fechaduras.
    Tão difícil enxergar coisas novas. Coisas novas como presentes para criança. Falta o brilho, o brilho nos olhos. Falta o desespero em querer abrir o pacote (não há pacote, não há desespero).
    Não há mais nada para abrir.
    Não há.
    Mas haverá.
    Haverá algo para abrir, e o brilho todo voltará.
    Até o ponto de ligar a TV, trocar de canal, ver que nada mudou.
    E tudo se repete.
    Os mesmos jogos.
    As mesmas atitudes.
    Os mesmos rostos.
    As mesmas crenças.
    E a ausência de tudo isso.

    Isso não pode ser poesia.
    É confuso demais.

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